“Não sei como vai ser o futuro. Espero que nos perdoe por te trazer a esse mundo tão bonito e tão horrível.”
A dedicatória – e pedido de desculpas – ao filho que esperava quando publicou a obra Árduo amanhã, em 2019, nos Estados Unidos, dita o tom da narrativa que Eleanor Davis imprime nas páginas da graphic novel, lançamento da Tordesilhas Livros.
Inédita no Brasil e traduzida pelo jornalista Érico Assis, a história explora um futuro próximo indefinido, amplificando o cenário sociopolítico atual. Em um exercício de imaginar possibilidades, Davis retrata um contexto em que Mark Zuckerberg é presidente dos Estados Unidos e leis antiprotesto cada vez mais rígidas classificam os megafones como artefatos criminosos.
Morando na traseira de uma caminhonete fora dos limites da cidade, na floresta, Hannah e Johnny tentam engravidar, apesar de tudo indicar que o meio ambiente e a frágil democracia em que vivem estão à beira do colapso. Johnny passa os dias com Tyler, um teórico da conspiração obcecado pelas próprias noções nebulosas da realidade, lentamente construindo uma casa antes que o frio do inverno chegue, enquanto Hannah se divide entre o trabalho como cuidadora domiciliar e o ativismo antiguerra em um grupo anarquista.
À medida que os recursos para os atos de resistência vão diminuindo, o governo se torna mais agressivo e violento em relação àqueles que se opõem ao sistema. No entanto, ainda que tempos sombrios espreitem no horizonte, a obra não cede ao pensamento apocalíptico e resignado. Apesar das incertezas, pessoas como Hannah continuam buscando um futuro melhor para todos, até mesmo para aqueles que ainda nem nasceram.
Combinando um traço de linhas minimalistas com cenas desenhadas em um estilo mais realista, além de recorrer ao preto e branco, a atmosfera tensa da obra ganha peso pela representação emocionada que Davis atribui às expressões faciais e à linguagem corporal dos personagens.
Indicado como um dos melhores livros de 2019 pela Revista Slate e vencedor do LA Times Book Prize, na categoria de melhor graphic novel, Árduo amanhã concilia momentos de profunda conexão humana com outros de medo, ameaças e insegurança. A percepção astuta de Eleanor Davis sobre as ansiedades do que está por vir provoca dúvidas e receios, mas desafia o leitor a resistir e lembrar que dias melhores virão.